Dom O’Malley reflete sobre o trabalho da Pontifícia Comissão para a Proteção de Menores; conscientização sobre abusos está entre as prioridades da Igreja
Da Redação, com Vatican News

Foto: Nappy na Unsplash
As prioridades da Igreja em relação à prevenção dos abusos contra menores “são as mesmas de sempre”, afirma o arcebispo emérito de Boston e um dos fundadores da Pontifícia Comissão para a Proteção de Menores, Cardeal Seán O’Malley, em entrevista ao Vatican News. “Estamos tentando colocar as vítimas e suas famílias em primeiro lugar”, complementa.
O purpurado também enfatiza a necessidade de transparência, do sentido de responsabilidade e a educação como prioridades da Igreja em seus constantes esforços para abordar a questão dos abusos contra menores e pessoas vulneráveis. O Cardeal O’Malley afirma ser importante que as pessoas entendam que “a Igreja, por sua própria missão, deve ser uma expressão do amor e da misericórdia de Deus e, portanto, o cuidado e a proteção de crianças e jovens devem ser centrais para nossa missão”. Ele frisa que as pessoas ouvirão a mensagem da Igreja somente “se estiverem convencidas de que nos importamos com elas. De que nos importamos com seus filhos. De que nos importamos com a segurança de seus filhos”.
Confira a entrevista na íntegra:
Cardeal O’Malley, o senhor poderia falar sobre o trabalho que tem realizado com a Comissão no decorrer dos anos, desde sua criação?
Cardeal O’Malley: Foi um grande privilégio fazer parte da Comissão por tantos anos e presidi-la durante todo esse tempo. A Comissão, na verdade, começou a pedido do Papa Francisco. Portanto, na realidade, tivemos uma espécie de três interações. A Comissão foi composta por três grupos de pessoas, representando pessoas de todo o mundo, muitas das quais com uma rica experiência na tutela dos menores. E entre os membros da Comissão sempre tivemos sobreviventes e pais de sobreviventes. Isso foi muito valioso para manter nossa atividade real e em contato com a comunidade de sobreviventes, como também para compreender suas experiências e a experiência de como a Igreja respondeu e enfrentou os problemas dos abusos por parte do clero.
Houve uma espécie de evolução no trabalho da Comissão ao longo dos anos. Nosso principal objetivo era o de ser conselheiros do Santo Padre no âmbito da proteção. Também temos nos envolvido muito nos esforços educacionais da Igreja, especialmente com a liderança, para ajudá-los a compreender a tutela. Dedicamo-nos a rever e desenvolver diretrizes e protocolos para promover a tutela e a proteção de crianças e menores.
Recentemente também nos dedicamos a um relatório anual, que procura avaliar o que está acontecendo na Igreja em relação à tutela, o que tem tido sucesso e o quef alta fazer. E, nos últimos dois anos, estivemos especialmente envolvidos com a Igreja no Sul Global, onde a questão da proteção está apenas começando a ser discutida e onde muitas Igrejas têm muito poucos recursos. E assim, a Comissão criou um fundo. Recebemos a ajuda de diversas Conferências Episcopais e fundações católicas para financiar os centros Memorare para formar pessoas nesses países, para ajudá-las a implementar políticas e a saber como receber queixas e cuidar das vítimas, das suas famílias e comunidades.
Portanto, todas estas coisas foram desenvolvidas no decorrer dos anos e, com a Praedicate Evangelium, a Comissão, que inicialmente era muito independente, quase separada, agora tornou-se parte do Dicastério para a Doutrina da Fé. Isso abriu novos horizontes para nós, porque muitas vezes éramos vistos como estranhos, como muito independentes. E agora temos uma nova porta para podermos dialogar mais com os diferentes dicastérios e ajudar a promover uma cultura de tutela dentro do Vaticano.
Nos últimos anos estivemos muito comprometidos com as visitas ad limina. A cada cinco anos, cada conferência episcopal se reúne em Roma com os chefes dos dicastérios e o Santo Padre, e eles relatam o que aconteceu em suas dioceses nos cinco anos anteriores. Nosso trabalho tem sido garantir que a proteção faça parte desta relação. Foi muito útil participar dessas visitas ad limina com os bispos que se encontram com os membros da Comissão. E foi muito gratificante ver o interesse e o desejo dos bispos de aprender mais e receber ajuda nessa área. Infelizmente, muitas vezes os bispos estiveram muito isolados, tendo de tomar decisões particularmente muito difíceis e decisões em relação às linhas de conduta. Isso pode levar a muitos erros e/ou, às vezes, à inação. Assim, tentar fortalecer as Conferências Episcopais e promover uma maior participação dos leigos na tutela nas dioceses de todo o mundo tem sido, na minha opinião, uma contribuição muito importante da Comissão.
O senhor se referiu aos relatórios anuais, que são uma parte nova do seu trabalho. Poderia nos adiantar o que o próximo relatório conterá?
Cardeal O’Malley: Em outubro, esperamos publicar o relatório anual de 2024. O tema principal será ressarcimento e “justiça de conversão”. O relatório é uma síntese dos encontros ad limina de 22 países diferentes e duas congregações religiosas, onde tivemos a oportunidade de conversar com essas comunidades, essas Conferências Episcopais, sobre a tutela, bem como as estatísticas, suas políticas, como foram implementadas, quais foram os desafios e quais foram os erros.
E isso nos permitirá continuar a promover a transparência na Igreja, para que as pessoas vejam o que está acontecendo, as coisas boas e as deficiências. E acredito que, daqui para frente, o relatório anual será uma parte muito importante da nossa missão.
O senhor falou sobre o vosso papel como conselheiros do Santo Padre na área da proteção. Poderia falar sobre quais são as prioridades da Igreja hoje em relação à prevenção dos abusos contra menores?
Cardeal O’Malley: Considero que as prioridades são as mesmas de sempre. Quer dizer, estamos buscando colocar as vítimas e suas famílias em primeiro lugar. Mas certamente há transparência; no ado, as piores ações da Igreja eram encobrir crimes, não denunciá-los.
Portanto, trabalhar com as autoridades civis é um o em frente muito importante: transparência; informar as pessoas sobre o que está acontecendo; um senso de responsabilidade; e a importância de todo um processo educativo na Igreja, para que as pessoas entendam que a Igreja, por sua missão, deve ser uma expressão do amor e da misericórdia de Deus, e é por isso que o cuidado e a proteção de crianças e jovens devem ser centrais para a nossa missão.
E, como eu disse, as pessoas só ouvirão a nossa mensagem se estiverem convencidas de que nos importamos com elas. Que nos importamos com seus filhos, que nos importamos com a segurança de seus filhos.
Portanto, essas são as prioridades constantes. O Papa Francisco, naturalmente há alguns anos atrás quis esse encontro de cúpula, reuniu os líderes de todas as Conferências Episcopais e os desafiou a levar essas questões a sério. Isso também foi um grande o à frente. No Sul do mundo, muitos países estão apenas começando a lidar com tudo isso e a Comissão está particularmente comprometida em ajudá-los…
De fato, nos últimos anos, temos visto uma crescente conscientização na Igreja. Também vimos o compromisso de todos os Papas recentes, não apenas o Papa Francisco, mas também Bento XVI e João Paulo II. O senhor poderia afirmar que ao esforço dos Papas correspondeu uma nova consciência em toda a Igreja? E que sinais de esperança o senhor vê para os próximos anos?
Cardeal O’Malley: Penso que as declarações dos Pontífices foram muito importantes. Obviamente, a mídia secular e também a mídia da Igreja foram muito instrumentais na conscientização das pessoas sobre essas questões. Certamente foi um processo muito doloroso, mas importante. Será a verdade que nos libertará, diz o Evangelho. O papel da mídia foi muito importante.
Mas isso tem sido frequentemente recebido com ceticismo pelos católicos: “Mas isso é anticatolicismo”. Ou “é apenas uma questão de dinheiro” ou “são mentiras”. Então, quando os Papas intervieram e pediram transparência, pediram perdão e se encontraram com as vítimas, isso ajudou a conscientizar os católicos e as pessoas ao redor do mundo.
E embora tenha havido muita atenção dada à Igreja, recentemente, pelo menos nos Estados Unidos, também tem havido muita atenção aos escoteiros, às escolas públicas ou aos grupos esportivos. Portanto, é um problema humano. Mas nós, que estamos na Igreja, vemos como é terrível quando isso acontece dentro da Igreja; é o que as pessoas percebem como uma espécie de traição ao seu sentimento religioso, à sua devoção e à sua fé. Há quase outra dimensão que, de muitas maneiras, torna o abuso ainda mais horrível.
Eminência, há algo mais que o senhor gostaria de acrescentar?
Cardeal O’Malley: Gostaria apenas de acrescentar que foi um grande privilégio para mim ter servido na Comissão por todos esses anos e de trabalhar com pessoas tão maravilhosas e dedicadas em nossa equipe, os membros da Comissão. E sou muito grato ao Papa Francisco por tê-la instituído e apoiado. Sei que a Comissão aguarda com expectativa a oportunidade de trabalhar com o Papa Leão no futuro.